Livro da Alma Racional (1296)
Ramon Llull (1232-1316)
Tradução: Profa. Adriana Zierer (doutoranda UFF)
Prof. Dr. Ricardo da Costa (UFES) e
Grupo de Pesquisas Medievais da UFES IV
(graduandas de História da UFES Danielle Werneck Nunes, Fernanda Wolkartt e Kassandra Alvarenga)

Revisão: Esteve Jaulent (Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência Raimundo Lúlio)

Supervisão técnica: Prof. Dr. Etienne Alfred Highet (Universidade Metodista de São Paulo - UMESP)


Prólogo

 Deus, com Vossa virtude começa o novo Livro da Alma Racional. Uma vez que a alma racional é substância invisível, muitos são os homens que não possuem conhecimento dela, e porque não a conhecem, não sabem dela usar, nem sabem ordená-la para a finalidade para a qual é criada, a qual é lembrar, conhecer e amar a Deus. E por isso, nós brevemente desejamos dar conhecimento da alma racional, de seus naturais princípios e de suas obras naturais e morais, e fazemos esta inquirição segundo as regras da Tábua Geral.

Da divisão deste Livro

Este livro está dividido em dez partes, isto é, em dez formas de questões:

A primeira parte é se (a alma) é, ou seja, se pergunta se a alma existe. E esta primeira parte possui três espécies; pela primeira espécie inquirimos se a alma é racional ou não; na segunda espécie inquirimos se foi criada ou gerada; na terceira espécie inquirimos se é imortal.

A segunda parte é sobre as definições; porque inquirimos o que é a alma. E esta parte é dividida em quatro espécies: a primeira investiga o que é a alma em si mesma; a segunda espécie investiga o que a alma possui em si mesma; na terceira investiga-se o que é a alma em outro; na quarta inquirimos o que a alma possui em outro.

Na terceira parte inquirimos de que é feita a alma; e esta inquirição é de três espécies; na primeira inquirimos se possui liberdade em si mesma; na segunda inquirimos se materialmente é de outra; na terceira inquirimos se é possuída por outra.

Na quarta parte inquirimos por que a alma é, e esta inquirição far-se-á em duas espécies: a primeira busca a existência, assim como quando se pergunta “por que é o homem?” e se responde: “o homem existe porque é composto de alma racional e de corpo”. A segunda espécie trata da agência, isto é, baseia-se no fim, assim como quando se pergunta “por que existe o homem?” e se responde: “o homem existe para lembrar, entender e amar a Deus.”

A quinta parte indaga sobre quantidade da alma, e é em duas espécies: a primeira indaga pela quantidade simples e a segunda pela quantidade composta.

A sexta parte trata da qualidade da alma, e é em duas espécies: na primeira espécie indaga-se sobre a qualidade própria, e na segunda sobre a qualidade apropriada.

A sétima parte pergunta sobre o tempo, e tem duas espécies: uma pergunta pelo instante e pelo agora (nunc), e a outra pela sucessão.

A oitava parte trata do lugar e é de duas espécies: a primeira trata do colocado e a segunda de quem coloca.

A nona parte pergunta do modo, assim como quem pergunta como a alma entende, e esta é em duas espécies: a primeira pergunta sobre o modo como a alma tem (seus atos e operações) em si mesma; a segunda pergunta como a alma tem (seus atos e operações) em outro.

A décima parte deste livro trata como a alma é agente ou paciente, e coloca a ação numa espécie e a paixão em outra.

Nestas dez maneiras de questões gerais pode-se investigar a totalidade da alma; e pode-se responder a esta inquirição na medida em que o entendimento humano encontra-se disposto para atingir àquelas inquirições e na medida em que nos fornecem o modo de descobrir a essência e a natureza da alma, suas ações e paixões. Pelas dez partes acima ditas pode-se possuir a  maneira e a doutrina para inquirir as essências e as naturezas das outras criaturas, e por isto este livro é muito útil a todos aqueles que amam a ciência.