Revisão: Esteve Jaulent (Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência Raimundo Lúlio)
Supervisão técnica: Prof. Dr. Etienne Alfred Highet (Universidade Metodista de São Paulo - UMESP)
Perguntam se alma racional existe ou não. Desejo provar que alma racional existe por dez razões entre outras, das quais esta é a primeira:
1. Deus é objetivável pela criatura tão
somente de três maneiras - à imagem da Santa Divina Trindade
-, isto é, ao lembrar, entender e amar a Deus, pois não se pode
ver nem tocar a Deus, por ser substância invisível e infinita,
nem por nenhuma criatura Deus pode ser bonificado, eternizado, tornado poderoso,
e assim das Suas outras Dignidades e Propriedades.
E porque Deus é lembrável, criou uma criatura com a capacidade
de lembrar; e porque Deus é inteligível, criou uma criatura
intelectiva; e porque Deus é amado, criou uma criatura amorosa. E convém
existirem estas três potências ativas criadas para que a memorabilidade,
inteligibilidade e amabilidade de Deus não se frustrem, pois se frustrariam
se não houvesse criado as três potências ativas que havemos
dito, pois então fora de Sua Essência não haveria quem
O objetivasse, isto é, nenhuma criatura (poderia fazê-lo).
Portanto, as três potências ativas existem, e são as da
alma racional, a existência da qual é assim provada pela necessidade
delas, as quais são necessárias segundo o que provamos. E se
alguém dissesse que os anjos já possuem aquelas três potências
ativas acima ditas, e portanto não seria necessário que alma
racional fosse criada, nós respondemos a isso dizendo que convém
que a alma racional seja criada e tenha aquelas potências, para que
elas sejam meio e instrumento pelos quais as criaturas corporais possam atingir
seu fim em Deus e Nele repousar, uma vez que Deus as criou principalmente
para Si mesmo, para que Seu fim seja mais nobre.
E como a alma racional está em conjunção com o corpo
humano, o qual participa de todas as criaturas, atingindo a alma seu fim em
Deus - por lembrá-Lo, entendê-Lo e amá-Lo - o corpo também
atinge sua finalidade em Deus também o corpo. E no corpo daquele homem
que pela bem-aventurança atinge a sua finalidade em Deus, atingem seu
fim em Deus as outras criaturas corporais por aquele corpo humano bem-aventurado
e glorificado; assim também como os corpos celestiais e as quatro substâncias
do mundo, isto é, os quatro elementos e suas qualidades, os metais,
as plantas e os animais irracionais.
Portanto, convém que exista uma substância espiritual conjunta
com o corpo humano, a qual chamamos alma racional, para que as criaturas corporais
tenham o fim no qual possam ter seu repouso.
2. Por experiência, sabemos que existem substâncias corporais,
porque nós as sentimos pela vista, tato e os outros sentidos; como
a pedra, que é visível e tangível, e o mesmo como as
outras substâncias. Nestas substâncias corporais Deus colocou
semelhanças de Suas razões, assim como no corpo do homem, que
é bom por natureza, e no fogo, e no cavalo e na planta, e assim nos
outros. E porque Deus é bom, a bondade do corpo é semelhante
em espécie à bondade de Deus; e o mesmo com as outras semelhanças.
Daí que, como Deus é substância espiritual, se Ele colocou
Suas semelhanças nas substâncias corporais, quanto mais, segundo
o Seu ordenamento e a Sua razão, convirá que as suas semelhanças
sejam possuídas pelas substâncias espirituais, que podem
receber melhor as Suas semelhanças que as substâncias corporais!
Portanto, está provado que existem substâncias espirituais, as
quais chamamos almas racionais.
3. Tudo o que Deus criou, criou ordenadamente sem existir nenhum vazio nesta ordem. E porque Ele é grande por Sua grandeza e bom por Sua bondade, e em Si não há nenhuma pequenez nem maldade, melhor Lhe pertence produzir grandes bens do que pequenos. E porque Ele produziu as substâncias corporais por criação, e os anjos - que são substâncias espirituais -, se não tivesse produzido a substância composta e ajustada de essência corporal e espiritual que é o homem, haveria um vazio na ordem da produção e existiriam duas extremidades sem meio, isto é, as substâncias corporais e as substâncias angelicais, e não existiria no meio a substância composta de substância espiritual e corporal. Assim sendo, seria mais próprio de Deus produzir poucas substâncias em bondade, que grandes, a qual coisa é impossível e iria contra a grande obra que pela sua bondade produziu por geração e inspiração das Pessoas divinas.
4. Se a alma racional não existisse, tudo o que existe no homem
seria corporal ou acidente do corpo. Ora, a aquela potência que está
mais perto da espiritualidade é a grande imaginação do
homem, pois ela é mais alta que a elementativa, vegetativa e sensitiva
. Pois bem, um homem, que com as forças da imaginação
imaginasse os antípodas, julgaria que os antípodas deveriam
cair para abaixo.
Porém, o homem sábio considera que aquela queda seria uma subida
e que seus corpos pesados subiriam contra a natureza. Portanto, convém
que no homem exista alguma potência espiritual com a qual sobrepuje
a imaginação que julga falsamente, e que esta potência
espiritual julgue segundo a verdade. Portanto, existe aquela potência,
a alma racional, com a qual o homem entende transcendentalmente a verdade
por cima dos falsos juízos da imaginação.
5. Só o homem faz contra a natureza, porque nenhum animal irracional mata a si mesmo, e alguns homens matam a si mesmos, e só o homem é sodomita, e só o homem jejua, e só o homem tem vergonha de urinar diante de outro e vergonha de entrar na fêmea, e assim das outras coisas semelhantes a estas. Portanto, convém que no homem exista alguma substância mais alta que a substância dos irracionais, e que não seja de essência corporal, porque se não existisse, seguiria a natureza e a maneira dos irracionais; e esta substância chamamos alma racional, com a qual o homem tolhe as naturezas dos corpos segundo o que havemos dito.
6. Só o homem possui a liberdade de fazer o bem e fazer o mal, e esta liberdade principal radica primeiramente na vontade e não no corpo. Se no homem não existisse a alma racional, a vontade - e em conseqüência também a sua liberdade - seria da essência e da natureza do corpo. E posto que tudo o que existe no corpo é natural, como a liberdade existe de um modo superior à natureza corporal, seguir-se-ia que a liberdade seria natural e não natural; e isto é uma contradição que não pode existir. Portanto, a alma racional existe e é substância espiritual, da qual é a vontade, que é livre por cima da natureza corporal.
7. Só o homem considera gênero e espécie, e faz ciência raciocinando, conforme a nossa experiência. O homem não poderia fazer isto sem a alma racional, que considera as substâncias em abstrato e destes universais considerados obtém os particulares, e faz isso com a ajuda do entendimento. Os irracionais não podem fazer isto, e por isso nenhum deles faz livros, nem nomeia as coisas, nem constróem martelos, agulhas, panelas, nem escudelas, nem tudo o que pertence às outras artes mecânicas. Portanto, a alma racional existe no homem, com a qual sobrepuja os irracionais, segundo o que havemos dito.
8. Só o homem possui virtudes morais e vícios, e pelas virtudes é digno de bem e pelos vícios de mal, e assim está sujeito à justiça de Deus. Isso não o faz nenhum irracional, nem o homem poderia fazer sem a alma racional. Portanto, a alma racional existe, por razão da qual o homem ganha virtudes ou faz hábitos de vícios e está sujeito ao juízo de Deus.
9. Se no homem não existisse a alma racional, não teria sido criado para fim espiritual, mas corporal, e tudo isso que se considera fim espiritual seria falso, pela qual falsidade ganharia virtudes e fugiria dos vícios, e pela verdade real ganharia vícios e fugiria das virtudes; a qual coisa é impossível e contra a inteligibilidade. Portanto, a alma racional existe no homem, com a qual se atinge o fim espiritual.
10. Se no homem não houvesse a alma racional, o seu entendimento seria de natureza corporal. Seguir-se-ia que o homem entenderia por natureza, assim como vê e ouve por natureza; a qual coisa é impossível e contra a experiência que temos, porque muitos homens vêem e ouvem mas não entendem naturalmente muitas coisas, porém entendem as coisas sobrenaturais, como os milagres, a criação e a ressurreição, e outras coisas semelhantes a estas. E o homem que tem os olhos fechados e não ouve nada, entende ou pouco entender. Portanto, o entender é de outra natureza mais alta que aquela do corpo, e àquela natureza chamamos alma racional.
Qualquer pergunta que façamos a respeito da alma entendemos fazê-la da alma racional
1. Questão: A alma racional, que existe, pode não existir?
Solução: A alma existe para amar e conhecer a Deus, e
por isso, segundo esta finalidade, não existe em sua natureza liberdade
para não-ser, porque a finalidade pela qual existe a sustenta no ser.
Mas uma vez que se origina do não-ser, pode não-ser segundo
a sua existência natural. Como a taça de vinho que o homem tem
na mão para beber, que segundo seu fim não pode cair na terra,
mas como é pesada, poderia cair se o homem a soltasse.
2. Questão: A alma racional existe mais por sua finalidade
ou pela finalidade de outrem?
Solução: Se a alma racional existisse mais pelo que ela
é do que para amar e conhecer a Deus, seria mais nobre o seu ser que
o ato que realizaria ao conhecer e amar a Deus; e teria repouso em si mesma
e não em Deus, a qual coisa é impossível. Porque nenhuma
substância que se origine do não-ser pode ter repouso simplesmente
em si mesma. Portanto, a alma racional existe principalmente por razão
da finalidade de Deus e não por razão de sua própria
finalidade: assim como o martelo que existe para a finalidade do prego e não
para a sua própria finalidade.
3. Questão: É necessário a Deus que a alma exista?
Solução: Deus é tão completo em Si mesmo
que fora de Si mesmo não possui nenhuma necessidade. Assim, e muito
melhor, como o sol, que é tão pleno de luz que não possui
necessidade de nenhuma luz de fora. Contudo, uma vez que é digna coisa
que Deus mostre as suas perfeições segundo o que aquela dignidade
requer, é necessária a existência da alma para que aquelas
dignidades sejam lembradas, conhecidas e amadas, assim como é necessário
que os corpos daqui embaixo tenham paixões por razão das quais
possam receber o benefício do sol, que possui natureza e propriedades
que influem aqui embaixo virtudes e impressões.
4. Questão: Deus pode criar substâncias corporais e não
criar almas racionais?
Solução: Como Deus é completo e Ele é a
própria concordância de Suas razões, sem qualquer contrariedade
- as quais razões são: Sua bondade, grandeza, eternidade, poder,
sabedoria e vontade, virtude, verdade, glória e fim, e outras semelhantes
a estas - não poderia criar substâncias corporais e não
criar almas racionais, porque então não concordariam Nele as
suas razões ao criar aquelas substâncias corporais. Porque as
criaria para o fim de outro e não para o fim de Si mesmo, a qual coisa
é impossível e contra isso que provamos acima ao dizermos que
convém existir a alma racional para que através dela as substâncias
corporais atinjam sua finalidade em Deus, finalidade para a qual existem.
Como o rei que é justo, ao usar sua justiça não pode
ser contra a finalidade desta.
5. Questão: Do ser da alma segue-se maior fim que do ser do
anjo?
Solução: A substância do anjo é intensamente
mais nobre que a substância da alma, e isto é porque o anjo existe
para ele ser, enquanto que a alma existe para que o homem seja. Quanto a isso,
o anjo possui mais nobre fim que a alma. Todavia, pela alma atinge-se uma
maior finalidade que pelo anjo, porque pela alma podem ter repouso as substâncias
corporais, segundo o que já dissemos, até mesmo se o anjo não
existisse. Assim como o ouro que é intensamente mais nobre metal que
o ferro. Mas como o ferro serve a mais coisas que o ouro, a finalidade do
ferro é mais necessária que a finalidade do ouro.
6. Questão: A alma existe mais por sua essência ou por
sua finalidade?
Solução: A alma, enquanto existe por seus naturais princípios,
existe por essência, mas na medida em que a sua finalidade, isto é,
Deus, em Quem tem repouso, está por sobre seus princípios naturais,
a alma bem-aventurada existe mais por sua finalidade do que por sua essência.
Assim como o quarto, que existe mais pela finalidade de habitação
do que por sua essência, porque a sua habitação está
antes do que o quarto na intenção e no desejo do homem, dado
que ele participa mais da sua habitação do que do seu quarto.
7. Questão: A alma pode ser eterna, isto é, estar em
duração e não ter começo nem fim?
Solução: Nenhuma alma pode ter poder infinito, porque
se o tivesse, poderia ser igual ao poder de Deus, que é infinito. O
poder da alma, como não pode, segundo sua espécie, ser em si
mesmo infinito simplesmente, não pode ser poder com duração
infinita mediante o qual poderia a alma ser infinita, sem começo e
fim. Se o pudesse, o poder da alma poderia ser mais completo em outra espécie
que em sua mesma espécie, a qual coisa é impossível.
Assim como é impossível que a bondade possua maior poder em
ser razão de bem segundo espécie de duração, que
segundo si mesma. Portanto, a alma não pode ser eterna.
8. Questão: Se segue algum inconveniente da existência
da alma racional?
Solução: De nenhuma coisa produzida por Deus pode-se
seguir algum inconveniente. E isto é porque tudo quanto Deus produz,
o produz segundo a finalidade que é a perfeição daquela
produção. Como Deus produz a alma, não se pode seguir
inconveniente da existência da alma. O inconveniente segue-se quando
o ser se perverte e vai contra a finalidade para a qual existe. Como acontece
com o homem, do ser do qual se segue inconveniente se for amante do mal e
detestar o bem, uma vez que foi criado para fazer o bem e não para
fazer o mal.
9. Questão: Da presença da alma segue-se maior perfeição
que a imperfeição devido à sua ausência, supondo-se
que estivesse em privação?
Solução: Ser e perfeição se convém
entre si, e imperfeição convém com privação.
Como os hábitos têm posição mais elevada que as
privações, segue-se deles maior de perfeição para
o ente positivo que é a alma, que a imperfeição que existiria
pela sua privação; assim como acontece com a alma bem-aventurada,
na qual existe perfeição em maior grau que o grau de imperfeição
da alma danada.
10. Questão: Alguma alma pode desejar privação
de seu ser?
Solução: A alma possui maior ato em amar do que em desamar
e isto é porque amar é mais nobre ato que desamar. Por isso,
a alma ordenada e não perversa não pode desamar seu ser. Mas
a alma pervertida e contra a finalidade de seu ser pode mais desamar que amar,
porque se não pudesse mais desamar que amar, os seus atos não
seriam contrários aos atos da alma ordenada. Portanto, aquela alma
pervertida pode desamar seu ser: assim como o homem que possui tanta ira que
se mata ou fere a si mesmo, ou blasfema contra si mesmo.
II. Da Segunda Espécie da Primeira Parte
Questão: Pergunta-se se a alma racional surge por criação ou geração. Por dez razões desejamos provar que a alma racional provém de uma criação e não de geração; isto é, que é criada e não engendrada, dentre as dez razões é esta a primeira:
1. A alma é livre segundo a sua natureza, e isto se vê
na vontade de Martinho ou de qualquer outro, porque nenhum homem pode obrigar
a vontade de Martinho a não amar o que deseja amar, nem pode obrigar
o seu entendimento a não entender o que a sua vontade deseja entender.
O mesmo ocorre com a memória: nenhum homem pode obrigar Martinho a
esquecer o que a sua vontade deseja lembrar.
Portanto, é manifesto que a alma é livre em suas potências
simples: é criada e não engendrada. Porque se fosse engendrada,
não teria liberdade em seus poderes simples, porque alcançaria
por natureza e não livremente os objetos que observasse. Assim como
a potência sensitiva, que alcança naturalmente os objetos que
os sentidos particulares observam; como os olhos, que naturalmente atingem
a cor, e as orelhas o som, e assim os outros sentidos. E isso é assim
porque a (potência) sensitiva é engendrada e ganha a sua natureza
de seus pais, dos quais nasce e sai.
2. Se a alma fosse engendrada, nasceria de corrupção e envelheceria, porque nenhuma coisa engendrada aqui embaixo pode nascer ou ser sem a corrupção daqueles outros a partir dos quais é. Mas a alma racional não envelhece, nem se torna velha pela velhice do corpo, e isso se verifica no homem sábio e velho, que possui mais ciência do que quando era jovem. Portanto, a alma daquele homem sábio não é engendrada, é criada.
3. Se a alma fosse engendrada e não criada, teria o seu fim
neste mundo: assim como a (potência) sensitiva, que tem como fim o sentir,
e a (potência) vegetativa, que o tem no vegetar. Mas a alma racional
não tem seu fim neste mundo porque este mundo não a pode satisfazer,
porque constantemente deseja querer, entender e lembrar mais o que ama, entende,
lembra, ou qualquer outra coisa; o que não ocorre com a potência
sensitiva e o objeto simples que sente. Assim como o homem que está
saciado de tanto comer e não deseja mais comer naquela hora, e o mesmo
ocorre com a voz, da qual o homem se sacia e não deseja mais ouvir.
E isso é assim porque a potência sensitiva tem pais que lhe deram
certos limites para o sentir e poderes determinados.
Isso mesmo teriam feito os primeiros pais com a alma racional se ela tivesse
sido engendrada. A alma, então, encontraria repouso nos limites e nos
poderes que lhe tivessem dado os primeiros pais, e bastar-lhe-ia assim amar,
entender e lembrar uma coisa do mundo, da mesma maneira como à (potência)
sensitiva basta-lhe um objeto sensível. Portanto, está provado
que a alma é criada e não gerada.
4. Se a alma fosse engendrada e não criada, todas as suas obras seriam naturais e não poderia haver nenhuma obra moral, isto é, justiça, prudência, e assim das outras virtudes, as quais não se obtém segundo o corpo natural, porque se se obtivessem segundo o corpo natural, o pai transmitiria justiça e prudência ao filho, tal como lhe transmite a cor e a boca; e todos os homens seriam sábios e justos, a qual coisa é impossível, segundo o que temos experiência; porque muitos são os homens que não são justos nem sábios. Portanto, a alma racional não é gerada, mas criada.
5. Se a alma fosse (gerada) por geração e não por criação, seria (criada) com sucessão e movimento, e seria substância corporal, pois convém que seja corporal toda substância onde há sucessão e movimento, e nós temos provado que a alma racional existe e é substância espiritual. Portanto, a alma é por criação e não por geração.
6. Se a alma fosse engendrada, seria engendrada mediante divisão de partes e pela transmutação de partes das espécies velhas nas novas: assim como o pão, de onde se engendra a carne, deixando as partes do pão a espécie do pão e tomando sustentação em outra espécie, e a espécie do pão fica sem sujeito no qual possa permanecer. Segundo isso, seguir-se-ia que partes espirituais da alma poderiam deixar umas espécies e tomar outras pela divisão de parte em partes, a qual coisa é impossível. Portanto, a alma racional existe por criação.
7. Se a alma racional existisse por geração, teria pais, e não desamaria por natureza nenhum de seus pais, nem amaria mais a outro que a seus pais; e vemos que acontece o contrário, pois muitos homens desamam seus pais e amam mais a outro que a seu pai ou seu irmão. Portanto, a alma não é engendrada, mas criada.
8. Se alma fosse engendrada, amaria constantemente mais as suas perfeições que as perfeições do corpo: assim como a potência sensitiva, que possui maior apetite em sentir do que em vegetar. Ora, muitas almas amam mais a perfeição do corpo, com o qual estão conjuntas, do que a sua própria perfeição, e existem homens que mais amam comer e beber e ver figuras prazerosas do que o justo lembrar, entender e amar. Portanto, a alma não é engendrada.
9. Se a alma fosse engendrada, não poderia viver por suas perfeições
interiores sem que lhe viesse nutrição de fora das outras partes
não unidas a ela. Assim como ocorre com a potência sensitiva
humana, que não pode viver sem que o homem beba ou coma coisas que
lhe vêm de fora e as coloque dentro, tomando delas alimento e sustentação.
E isto é assim porque a potência sensitiva é.
Portanto, a alma morreria se fosse engendrada, ou conviria que vivesse de
outras partes corrompíveis, transmudando aquelas em sua espécie
espiritual. Porém, se morresse, não poderia retornar em seu
mesmo número, porque partes espirituais privadas de ser não
possuem quem as sustente. E se a alma morresse, depois de sua morte não
seria premiada por ter feito o bem, nem punida por ter feito o mal, porque
já não existiria, e Deus teria sido injusto nesta vida com muitas
almas justas que nesta vida têm muitas adversidades.
E Deus, se a quisesse retornar depois de sua morte, não poderia retorná-la
naquele mesmo número, porque seria criação dupla de uma
mesma substância, coisa que é impossível. Portanto, a
alma racional não morre: vive, graças à sua vida, que
é uma de suas partes simples, uma vida espiritual que não converte
partes corporais em espécie espiritual. Vive por sua vida como
ama por a sua vontade.
10. Se a alma, que é substância espiritual, fosse engendrada, seria substância espiritual originada em outra substância espiritual: assim como a substância corporal de Martinho, que é da substância corporal de seu pai, ou a substância do prego, que é da substância do ferro. E, portanto, a alma seria substância engendrável de um gerador corrompível com vontade, assim como a substância do corpo, que é corrompível com as quatro qualidades gerais, isto é, o calor e as outras. Mas é impossível que a vontade do gerador queira que alguma de suas partes esteja em privação de ser, porque desejaria naturalmente contra a sua própria essência, a qual coisa é impossível.
1. Questão: Perguntam se Deus criou a alma com movimento.
Solução: Provamos que a alma existe, e que é ente
espiritual. Ora, o movimento não pertence senão à substância
corporal, que, movendo-se, ocupa um lugar e depois outro. Porque na criação
da substância espiritual não é necessário que exista
movimento. Assim, o homem - que não necessitaria de movimento caso
desejasse criar uma alma -, ao querer que a alma que não existe seja,
dá-se conta de não há movimento de não-ser a ser;
entretanto, mal deseja o Criador, o ser criado surge.
2. Questão: Deus poderia fazer que a alma racional fosse engendrada?
Solução: Cada uma das criaturas, segundo se encontra
numa espécie, requer suas próprias e naturais condições:
assim como o peixe, que requer a habitação da água; a
salamandra, do fogo; a topeira, da terra; e o camaleão do ar. Porque
assim como Deus não poderia fazer que o peixe vivesse sem água,
nem a salamandra sem fogo, nem a topeira sem terra, nem o camaleão
sem ar, Deus também deseja que cada um destes viva segundo suas condições
e seu próprio lugar, caso contrário seguir-se-ia contradição.
Deus não poderia fazer que a alma racional, que não é
ente corporal, pudesse ser engendrada corporalmente, pois possuiria corpo
e não-corpo, a qual coisa seria contradição na alma,
e até na vontade de Deus, que desejaria que fosse de natureza corporal
e que não fosse de natureza corporal.
3. Questão: Poderia o homem engendrar a alma racional, engendrando
outro homem em natureza humana, como Deus Pai engendra o Deus Filho em natureza
divina, o qual Filho é substância espiritual?
Solução: Uma vez que Deus Pai engendra o Deus Filho de
Si mesmo e não de outro, e Deus Pai é substância espiritual,
pode engendrar o Filho em natureza divina, que é substância espiritual;
porém, não o poderia engendrar se o Pai fosse uma substância
e o Filho outra, porque seriam diferentes substâncias e muitas, e Deus
não seria tão somente um, e haveriam muitos deuses, a qual coisa
é impossível, segundo o que provamos no livro Dos Artigos.
De maneira semelhante, o homem não pode engendrar a alma racional,
porque não a engendraria de sua humanidade, porque engendraria o homem,
sendo homem a alma racional, a qual coisa é impossível enquanto
a parte não pode ser o seu todo.
4. Questão: Um entendimento pode engendrar outro, dado que
engendra o entender?
Solução: Assim como na essência da bondade existem
três concretos reais que são de sua espécie, isto é,
o bonificado, o bonificável e o bonificar, da mesma forma, na essência
do entendimento humano existem três concretos reais que são da
sua essência, a qual neles é sustentada, e todos estes concretos
reais são necessárias para existir um entendimento individual,
isto é, um entendimento de Martinho ou um entendimento de outro homem.
Como o entendimento não se multiplica de outro do qual toma crescimento
- assim como faz a planta que toma crescimento disso que lhe vem de fora por
nutrição - ainda que o entendimento seja acabado e finito, não
pode engendrar nem multiplicar outro entendimento de si mesmo. O entender
que engendra é a espécie fantástica, a qual faz das semelhanças
do objeto e das suas mesmas, e este entender não é da sua essência.
5. Questão: O anjo pode produzir a alma?
Solução: Segundo o que já dissemos sobre o entendimento
do homem, que não pode engendrar outro entendimento, o anjo também
não pode produzir uma alma de sua essência, pois é terminado
e finito e não se multiplica por outro, nem mesmo pode produzir uma
alma de outra essência, pois já provamos que a alma é
criada e não gerada; nem a pode produzir do nada, porque seria seu
criador e então haveriam muitos criadores, isto é, Deus e anjo,
a qual coisa é impossível e contra as soberanas perfeições
e propriedades de Deus.
6. Questão: A alma pode produzir a si mesma?
Solução: Nenhum ente pode produzir a si mesmo, pois ele,
em um mesmo tempo, não pode existir e não existir. E se a alma
pudesse produzir a si mesma, poderia existir antes de ser, enquanto tivesse
o poder com o qual poderia produzir a si mesma, e aquele poder seria antes
que existisse ela e não seria da sua essência.
7. Questão: Antes de ser criada, a alma está em potência
e pela criação acontece em ato?
Solução: Nas substâncias corporais elementadas,
segundo a natureza de geração e corrupção, as
substâncias corporais estão em potência nas outras substâncias
que estão em ato: assim como a flor do pomar, que está em potência
no pomar antes que esteja florido. Todavia, na criação não
é assim, porque não está sujeita à geração
nem à corrupção; mas consiste numa produção
de criatura produzida de não-ser em ser. Se antes que fosse produzida
estivesse em potência, estando em potência seria alguma coisa.
8. Questão: A criação da alma pertence a Deus
e àquela mesma alma, ou é do primeiro tão somente?
Solução: O selo deixa na cera semelhanças de suas
letras essenciais sem que as letras da cera sejam da essência das letras
do selo, mas semelhanças e impressões de suas letras. De maneira
semelhante, na criação, Deus imprime Suas semelhanças
nas criaturas, não que as criaturas sejam da essência de Deus,
mas semelhantes a Ele, na medida que as suas semelhanças possam receber
e sustentar. Por isso, a criação é, pelo modo de ação,
do Criador, e pelo modo de paixão, da criaturas.
9. Questão: Deus poderia constranger o livre-arbítrio
da alma?
Solução: Nenhum corpo poderia ser corpo se dele fosse
tirada alguma parte necessária ao seu ser, sem a qual pudesse existir,
como a forma, a matéria ou a quantidade, e assim das suas outras partes
necessárias. E dado que a alma racional é criada com o livre
arbítrio, que é uma de suas partes, para que com ela possa livremente
lembrar, conhecer e amar a Deus, retirada da alma esta parte, ela não
poderia existir. Esta parte ser-lhe-ia retirada se tivesse de lembrar, entender
e amar Deus, ou outra coisa, necessariamente e não livremente.
10. Questão: Deus pode criar a alma de contrários?
Solução: Se a alma fosse criada de contrários,
poderia ser gerada por geração e corrupção, assim
como o corpo elementado, no qual estão as quatro qualidades contrárias,
isto é, calor e frio, umidade e secura. Nós já provamos
que a alma não pode ser gerada. E mais: se Deus houvesse criado partes
contrárias na alma, não poderia a alma livremente lembrar, entender
e amar a Deus, porque a liberdade contrastaria com as partes contrárias,
contrastando umas partes às outras.
Por isso, Deus, segundo a finalidade e a ordem com a qual criou a alma, não
pode criar partes contrárias na alma, porque se o fizesse, Seu poder
poderia contra o fim e a ordem do que sabe o Seu saber, e do que deseja o
Seu Querer, e do que pode ver a Sua Verdade, e da virtude a Sua virtude, e
da bondade a Sua bondade, e isto também com relação à
grandeza e à eternidade.
III. Da Terceira Espécie da Primeira Parte
Por dez razões pretendemos provar que a alma racional é imortal, e não pretendemos falar da mortalidade em que se encontra a alma pecadora, mas da imortalidade essencial.
1. A alma é imortal por sua própria natureza, a qual possui por criação enquanto não é criada de contrários, segundo o que já dissemos. Porque assim como o sol é incorrompível e a sua luz é permanente porque é criado sem partes contrárias, assim a alma é imortal e seus acidentes naturais são permanentes porque não é feita de contrários.
2. A alma é imortal por razão da finalidade para a qual é criada, porque ela é criada para lembrar, entender e amar Deus, e a memorabilidade, inteligibilidade e amabilidade de Deus se convém com a eternidade, segundo o que já dissemos. Por isso, o fim da memoratividade, intelectividade e amatividade se convém com a eviternidade, pela qual conveniência se segue a imortalidade na alma.
3. Se a alma não fosse imortal, as criaturas corporais não poderiam atingir sua finalidade em Deus. Portanto, se seguiria grande inconveniente, segundo o que já dissemos. Portanto, a alma é imortal, para que as criaturas corporais possam atingir, pela alma conjunta com o corpo humano, sua finalidade em Deus. Porque se a alma fosse mortal, seguir-se-ia o inconveniente que havemos dito e as criaturas corporais não seriam criadas com finalidade permanente.
4. A alma é a mais nobre criatura do que qualquer corpo, e isso é porque ela melhor pode reter as semelhanças de Deus, pois Deus, da mesma maneira que a alma, é ente espiritual. Logo, se a alma é imortal para que a finalidade das criaturas corporais seja permanente, bem se segue que ela seja imortal para que sua finalidade seja permanente, pois se fosse mortal, a mais nobre essência não estaria em tão grande concordância com a permanência do que a menos nobre; a qual coisa é impossível.
5. Deus é justo, e a Sua justiça requer que a alma seja imortal a fim de que possa existir um sujeito permanente no qual possa julgar a boa alma para a bem-aventurança eterna, e a má para a pena eterna. E se a alma fosse mortal, em sua mortalidade estaria a justiça de Deus contra si mesma, uma vez que estaria contra o que requer o Seu juízo. E se a justiça de Deus não pode injuriar a Si mesma, convém que a alma seja imortal.
6. A divina bondade e eternidade na boa alma estão em concordância, porque assim como a bondade requer um sujeito no qual possa infundir a bem-aventurança, assim a eternidade requer um bom sujeito no qual possa infundir a eviternidade, que é a sua semelhança. E se a eternidade não conservasse a alma em eviternidade, não haveria concordância com a divina bondade, antes lhe seria contrária, a qual contrariedade é impossível. Portanto, a alma é imortal.
7. O corpo do animal é naturalmente mortal porque não pode viver de suas partes essenciais, porque o seu radical úmido não pode viver sem nutrimento úmido, que vem de fora, assim como o cavalo, que não poderia viver sem comer e beber. E como a alma é toda a sua espécie, não tem necessidade de viver das coisas de fora, porque todas as suas partes vivem dentro pela vida, que é uma de suas partes que não vive de nutrimento úmido. Por isso, a alma é imortal, e está assim viva pela vida, que é uma de suas partes, como o sol é redondo pelo o círculo, que é uma de suas partes.
8. O corpo elementar pode ser destruído pelo tocar, assim como a pedra pelo ferir, a planta pelo cortar e o corpo do animal por chagar e jejuar. E como a alma racional é espiritual, não pode ser ferida, cortada, ou chagada, e por isso não existe quem a possa matar com o corpo, nem anjo bom ou mal a pode destruir ou matar, pois nenhuma substância que seja toda ela a sua mesma espécie pode ser destruída por substância semelhante que seja de sua mesma espécie, porque nenhuma espécie destrói outra. Portanto, a alma é imortal, e não existe quem a possa destruir corporal ou espiritualmente. Nem Deus a pode destruir, porque atuaria contra a finalidade para a qual a criou, segundo o que já dissemos.
9. Nenhuma alma pode destruir nem matar a si mesma, porque ela é de vida e não de morte. E a sua vida não pode matar a alma, a menos que em si mesma a morte exista como outra parte substancial, maior e mais forte que a vida. Porém, nós já provamos que a alma não é feita de contrários. Portanto, a alma é imortal, pois ela não pode se matar nem outro a pode matar, segundo o que provamos.
10. A alma existe com partes que se concordam umas com as outras: assim como a sua bondade natural, que tem concordância com a sua grandeza natural, e assim das outras. E nenhuma substância que seja de partes concordantes e sem partes contrárias pode ser morta ou destruída. Portanto, a alma é imortal e permanente, conforme (corresponde) a um corpo natural espiritual.
1. Questão: A alma pode, pelo pecado mortal, perverter sua
imortalidade natural em natureza mortal?
Solução: A alma é criada para um bom fim, segundo
o que já dissemos, e segundo a nobreza daquela finalidade é
colocada na natureza. Portanto, estando a alma na natureza, por aquele fim
é também conservada naturalmente. Portanto, conviria que, se
fosse contra a sua finalidade pelo pecado, fosse pervertida em natureza contrária,
a qual natureza contrária se encontraria inclinada pelo pecado a não-ser,
pois já não seria digna que fosse ou recebesse benefício
de qualquer coisa digna de existir.
Contudo, uma vez que se encontra sujeita à justiça de Deus,
para que as substâncias corporais não percam sua finalidade com
a privação da alma, a alma, mesmo tendo natureza de morrer,
não pode morrer. Da mesma maneira que um homem que se queimasse com
fogo virasse todo fogo: pela natureza do fogo será naturalmente cremado,
mas a justiça divina o pode manter vivo para que seja punido longamente
pelo pecado feito.
2. Questão: Criada do não-ser, a alma possui natureza
que a possibilite retornar ao não-ser?
Solução: Se alma fosse criada do não-ser sem nenhuma
finalidade e utilidade, a privação da finalidade seria a causa
pela qual a alma retornaria ao não-ser. Mas pela presença da
finalidade (ela) não pode retornar ao não-ser, assim como o
homem que escreve e erra o que escreve e, conhecido aquele erro, destrói
aquele escrito pois a escritura estava contra a finalidade segundo a qual
o entendimento escrevia. Mas se a escritura tem concordância com a finalidade,
o escrivão, amando a finalidade pela qual escreve, não pode
destruir a escritura.
3. Questão: O homem pode matar a si mesmo, e a alma é
parte do homem. Portanto, pergunto se o homem pode matar a sua alma, uma vez
que pode matar a si mesmo.
Solução: O homem é composto de alma e de corpo,
e o corpo e a alma são diferentes por essência. O homem não
pode tocar nem ferir a alma, conforme já dissemos. Por isso, o homem
não pode matar todas as suas partes, e se mata o corpo, não
se segue que possa matar a alma.
4. Questão: Alguma das partes essenciais da alma pode morrer?
Solução: Provamos que a alma não é feita
de contrários e que todas as suas partes são concordantes. Por
isso, nenhuma de suas partes pode morrer, pois não existindo contrariedade
não há lugar que seja ocasião para a morte de qualquer
parte da alma racional.
5. Questão: Pergunto se quando o homem morre a alma tem pena
que deixe nela impressão de mortalidade.
Solução: A alma e o corpo são partes do homem.
E como o todo, isto é, o homem, é o fim das partes, pela morte
do homem existe a impressão da morte na alma, a qual impressão
é a pena que sustenta a alma, uma vez que parte do corpo e o todo vira
privação.
6. Questão: Mortos os órgãos corporais, morrem
os atos das potências da alma?
Solução: O ferreiro que faz o prego com o martelo, deseja
fazer o prego, uma vez que o está fazendo. E se perde o martelo, não
é que ele não queira fazer o prego, ou que não o saiba
fazer. Portanto, permanece o hábito da ferraria nas potências
da alma, ainda que se perca os instrumentos da ferraria.
7. Questão: Quando parte do corpo, a alma continua tão
nobre e tão completa como quando estava no corpo?
Solução: Enquanto a alma está conjunta com o corpo,
está na finalidade para a qual existe, isto é, que dela e do
corpo o homem seja formado. Aquela finalidade existe em ato, mas quando a
alma parte do corpo, aquela finalidade existe em potência. Como o que
está em ato é mais nobre que o que está em potência,
a alma se deteriora pela morte do homem, mas na medida em que permanece em
suas parte e em sua essência e continua para a finalidade para a qual
foi criada, isto é, lembrar, entender e amar a Deus, não piora
pela morte do corpo.
8. Questão: Quando o homem está morto, a alma pode imaginar
o corpo em que estava?
Solução: Assim como a alma conjunta com o corpo retém
os objetos sensuais na imaginação, quando o homem está
morto retém os objetos imagináveis em suas potências,
e por isso pode atingir os objetos imagináveis lembrando, entendendo
e amando sem órgão de imaginação.
9. Questão: Quando o corpo morre, a alma, conjunta com o corpo,
move o corpo à morte?
Solução: Nenhum finalidade existe contra si mesma, e
por isso a alma, que tem em companhia do corpo a sua finalidade de constituir
o homem, não move o corpo a morrer, antes confronta-se com a morte
tanto quanto pode. Mas como os órgãos corporais se corrompem
por razão da corrupção do elementado, a alma não
pode permanecer com o corpo. Como o vinho, que não pode permanecer
na garrafa quando está quebrada.
10. Questão: Quando a alma parte do corpo guarda os costumes
que tinha no corpo?
Solução: Todo bom costume existe para ganhar mérito
de bem, e todo mal costume existe para privar mérito de bem, de onde
se segue mérito de mal. Portanto, ganho o mérito de bem ou de
mal, não são necessários os costumes, assim como, uma
vez feito o cutelo, não é mais necessário o martelo com
o qual foi feito.